sábado, 21 de março de 2009

MÁSCARAS, UM JOGO...

Vamos fazer um jogo diferente hoje? Eu te convido a retirar a máscara que te impede até mesmo de respirar. Assim, devagarinho, com muito jeito, para não machucar. Comece lentamente, por aquele fiozinho, aquela dobra... Cuidado: se puxar rapidamente, a dor será insuportável. E o choque com a luz talvez seja forte demais. Eu te ajudo. Posso garantir que é um jogo divertido. E depois, com a continuação, ele se tornará um hábito.




Sei que há muito tempo você está empenhado em construir cuidadosamente a máscara que carrega. Cada dia, um elemento novo a ser acrescentado: a expectativa dos que te cercam, o compromisso social, o nó da gravata, os horários a serem cumpridos, o sorriso obrigatório, a lágrima contida, a explosão reprimida, a ternura amordaçada, o sexo marcado no relógio. E onde está o brilho antigo do teu olhar, os planos geniais, o entusiasmo contagiante?



Ah, sei. A correria da cidade não permite, o tempo urge, “time is money”. E lentamente, quase sem perceber, você foi construindo essa caricatura que apresenta socialmente, como um escudo, como um cartão que dispensa comentários. Socialmente ele parece bom, mas não é a verdade, não representa a tua essência. Vamos continuar puxando essa tua segunda pele. Depois do choque inicial, você se sentirá melhor.





Sim, a boca. Está começando a esboçar um meio sorriso. Consigo adivinhar que esse meio sorriso vai se alargar até explodir numa gargalhada gostosa e limpa... Vê? Não dói nada...E mais tarde, treinando os músculos, o sorriso será mais constante. Não aquele de coquetéis e inaugurações! Estou falando do sorriso puro e espontâneo que conheço. E mais tarde ainda, essa boca vai se sentir livre e com coragem de falar verdades há muito esquecidas.





Essa boca vai dizer que você é fraco e que tem medo. Que enfrenta momentos de insegurança e que muitas vezes sente-se só e assustado. Puxa mais um pouquinho a máscara, até chegar aos olhos. Percebe como estão duros e frios? Com uma ponta de cinismo, eu diria...






Calma. Não te acuso de nada. Desmancha essa carranca. Quero um olhar morno, suave. Assim não: parece um olhar de conquistador barato, farejando a presa. Entendo: é o velho costume exigido pela sociedade vigente... Vamos tentar outra vez: eu quero um olhar de menino sonhador, imaginando estrelas, fazendo piquenique de domingo em plena quarta-feira, chutando a espuma do mar, empinando pipa, correndo solto e livre atrás de uma bola. Melhorou muito! Vai acabar conseguindo...



Mas, o que á gora? Teu olhar se sombreou. Vejo um brilho diferente nele. Está chorando? Não, por favor. Deixe a lágrima vir, não interrompa sua trajetória. Deixe-me contemplá-la. É linda a tua lágrima, e vem rolando mansamente.




Você conseguiu gargalhar, teu olhar ficou menino outra vez e até o milagre da lágrima se fez! Estou feliz com nosso novo jogo. Como? Que horas são? A máscara? Por quê? Ah, sim. Você vai sair. Precisa cumprir horários, os compromissos assumidos, “time is money”, a competição, as aparências...Mas, você estava chegando perto.. Não podemos continuar o jogo? Não pode deixar a máscara e tentar enfrentar o mundo com tua cara real, teus olhos reais, teu sorriso real, tuas lágrimas reais? É impossível, você me diz. E recoloca rapidamente a máscara em teu rosto. Não há tempo a perder, entendo. Porém, observo que ela está mal colocada. Não se parece mais com uma segunda pele. Não está tão confortável como antes, não é?




Sinto – ou será apenas um desejo meu? – que a máscara não te pertence mais. Ela não te cobriu os olhos, e pude perceber o olhar de menino maroto pensando no piquenique de domingo-quarta. Precisa ir, não é? Tudo bem. Mas também posso perceber um sorriso quase-aberto que a máscara, torta e desajeitada, não conseguiu esconder.





Amanhã te espero para continuarmos o jogo...

Nenhum comentário: