O velho mestre escutou pacientemente as reclamações dos jovens da sua sala de aula. Todos diziam não estarem a fim de estudar, que tinham preguiça de levantar cedo, que estavam cansados de assistir aula de matemática, química, física, biologia... Que o melhor era ficar curtindo a vida, que não precisavam trabalhar e que seus pais já tinham trabalhado, antes, por eles.
O professor esperou que todos se acalmassem, parassem com as risadas, a chacota com relação ao assunto, levantou-se de sua mesa de trabalho, andou de um lado para outro, coçou o queixo e, de repente, parou. Olhou bem para a turma, um por um, percebendo em cada adolescente o interesse pela sua fisionomia carregada e disse:
- Vou lhes contar uma breve história e espero que ao terminar, cada um de vocês tenham aprendido uma lição. Era uma vez um jovenzinho que morava em um sítio que ficava entre duas cidades, cada uma distante meia légua. Esse garoto levantava às 05h00min da manhã, pegava um galão de vinte litros, enchia-o no poço artesiano – puxado por uma bomba manual que ele acionava com seus frágeis músculos – em seguida, tomava um banho. Vestia a farda da escola municipal, botava o caderno debaixo do braço e, sem ao menos tomar o café da manhã, ia em direção à cidade onde havia se matriculado para estudar.
O mestre parou a narrativa, tossiu a tosse seca, alérgica, de décadas de giz e esponja do quadro negro, voltou o olhar para ver se realmente tinha a atenção de todos e continuou:
- A estrada era de piçarra, ou seja, terra misturada com areia, pedra e cascalho, onde passavam os ‘mistos’ e caminhões que levavam as pessoas para as mais diversas cidades das redondezas. Cada veículo motorizado que passava, deixava no garoto, uma camada de poeira em si e em sua roupa. Mesmo assim ele não reclamava. Chegava pertinho das 07h00min, horário do início da primeira aula. Ali ficava escutando os professores até 11h30min, quando terminava a última aula e ele fazia o caminho de volta. A fome e a sede vinham juntas com ele. Raramente alguém parava seu transporte para lhe dar carona. Se parava, ele vinha. Se não, ele não reclamava nunca. Quando chegava, mal tinha tempo de guardar seu caderno e comer o feijão cozinhado n’água e no sal, pois tinha que ir dar de comer ao gado, levando-o para uma parte do terreno onde ficava o pasto. Lá, se encontrasse uma fruta, comia. Se não, armava o fojo e ficava esperando que o preá caísse dentro do buraco. Se caísse, era uma festa!
Nesse instante, o velho mestre marejou os olhos e se viu obrigado a interromper a narrativa para poder passar o lenço ao redor deles e deter a cascata que estava se formando em seu rosto. Mas não quis terminar ali a história que estava contando:
- A volta do pasto se dava à tardinha e quando botava o gado dentro do curral começava a outra etapa de como cuidar dos animais: era preciso puxar água – na mesma bomba que servia para ele encher seu recipiente de d’água para tomar banho todos os dias –, colocando um cano longo na boca da bomba, para que fosse até as tinas e onde o gado pudesse beber e matar a sede. Assim que terminava, ainda tinha a missão de moer o milho seco que se encontrava de molho em água, para se fazer o pão de milho da janta. Só após jantar e depois que eram retirados os pratos da mesa e ela limpa, é que ele pegava a lamparina, sentava-se em uma de suas extremidades e ia estudar a lição de casa e fazer o exercício que a professora tinha passado. E no outro dia a história se repetia.
O mestre voltou para o seu lugar, sentou-se, olhou para um ponto distante do seu imaginário, guardou as lembranças, aspirou o ar profundamente, e disse:
- Aproveitem que vocês têm pais que lhes dão condições de estudarem em escola particular, pagam cursinho e professores de reforço, vêm e voltam de carro, trazem dinheiro para merendar, não têm obrigações nenhumas, têm a tecnologia do celular, internet em suas casas, comida e roupa lavada. Por favor, estudem! É o mínimo que vocês podem fazer para retribuir a quem lhes dedicam e depositam tanta confiança em seus futuros.
E olhando para cada um deles, falou:
- Lembrem-se: se todos agissem como vocês, esse país não teria médicos como o pai de Pedro; arquitetos como o pai de Marcos; engenheiros como o pai de Lucas; coronéis da polícia como o pai de João e, muito menos, professores como eu para fazer com que o pai de Pedro, de Lucas, de Marcos e de João, se formassem e pudessem mandá-los para cá!
A sirene tocou nesse momento, avisando o término da aula. Cada um daqueles jovens, ao passar pelo velho mestre, apertou-lhe a mão e disfarçou uma lágrima. A história tinha sido apreendida e a lição repassada.
(*) Cronista e professor
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